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APRIL 2020
Mais de doze anos após a respetiva assinatura, o Acordo entre a República Portuguesa e a República de Angola sobre Promoção e Proteção Recíproca de Investimentos (o “Acordo”) entrou em vigor a 24 de abril de 2020, após Angola ter finalmente cumprido todos os requisitos de direito interno necessários para o efeito. O Acordo pode ser consultado aqui.
Os termos do Acordo são parecidos aos que constam dos acordos bilaterais de proteção de investimentos celebrados nos anos 90 e no início da década de 2000, conferindo uma proteção efetiva aos investimentos abrangidos.
Âmbito da proteção
Temporal
O Acordo abrange os investimentos de investidores de uma das Partes no território da outra Parte realizados depois da sua entrada em vigor, bem como os realizados antes. No entanto, no se aplica aos diferendos surgidos antes da sua entrada em vigor.
Subjetivo
O Acordo abrange os investidores pessoas singulares ou colectivas que tenham a nacionalidade de uma das Partes ou que tenham sede no território de uma das Partes, respetivamente. Não exclui expressamente as pessoas singulares que tenham dupla nacionalidade, incluindo a nacionalidade do estado de acolhimento do investimento.
Material
O Acordo confere proteção a um amplo leque de ativos na medida em que o termo “investimento” para os efeitos do Acordo designa todos os ativos investidos pelos investidores de uma Parte no território da outra Parte. A título exemplificativo dos ativos protegidos, o Acordo refere nomeadamente: a) Propriedade de bens móveis e imóveis, bem como outros direitos reais tais como hipoteca, penhor, usufruto e direitos similares; b) Títulos, ações, quotas ou partes sociais ou outras formas de participação em sociedades e ou interesses económicos resultantes da respetiva atividade; c) Direitos de crédito ou quaisquer outros direitos com valor económico; d) Direitos de propriedade intelectual; e) Concessões com valor económico.
Conteúdo da proteção
O Acordo contém todas as proteções tipicamente encontradas nos acordos de proteção de investimentos, através das seguintes obrigações e padrões de comportamento:
Tratamento justo e equitativo
As Partes obrigam-se a atuar de forma razoável e proporcional, bem com a não vulnerar a expectativas legítimas dos investidores (uma figura parecida à da tutela da confiança legítima oriunda do Direito administrativo).
Proibição das medidas arbitrárias ou discriminatórias
As Partes obrigam-se a não atuar arbitrariamente, isto é, de uma forma que surpreenda a noção de conformidade jurídica ou que seja discriminatória, isto é, que trate de forma diferente situações semelhantes, sem fundamento racional para tal.
Tratamento da nação mais favorecida
As Partes obrigam-se a conceder aos investimentos, rendimentos e retornos dos investidores da outra Parte um tratamento não menos favorável que o concedido aos investimentos, rendimentos e retornos de investidores de terceiros Estados. Concretamente, este tipo de cláusula permite aplicar disposições mais protetoras de outros acordos bilaterais ou multilaterais de investimento. A título de exemplo recente, um tribunal constituído ao abrigo do tratado de investimento entre a Síria e a Turquia importou, através da cláusula de nação mais favorecida deste tratado, uma cláusula de compensação por perdas devido à guerra oriunda do tratado entre Síria e Itália (Guris et al. c. Síria).
Tratamento nacional
As Partes obrigam-se a conceder aos investidores da outra parte um tratamento não menos favorável ao concedido aos investidores nacionais ao abrigo do direito nacional.
Cláusula “para chuvas” (“umbrella clause”)
Dispõe o artigo 5.º, n.º 8 do Acordo (a chamada cláusula “para chuvas” ou “umbrella clause”) que “[c]ada Parte deverá observar qualquer outra obrigação que tenha assumido em relação aos investimentos realizados por investidores da outra Parte no seu território”. Concretamente, isto significa que uma violação, por parte do estado de acolhimento, de obrigações contratuais que tenha assumido para com um investidor da outra Parte consubstanciará uma violação do Tratado.
Esta cláusula poderá ser útil, por exemplo, a investidores portugueses que tenham celebrado contratos com o Estado angolano cujas cláusulas de resolução de litígios sejam problemáticas, por exemplo por preverem arbitragem ad hoc sujeita à Lei n.º 16/03 de 25 de julho sobre a arbitragem voluntária. Tais investidores terão, assim, acesso à arbitragem nos termos do Acordo através da respetiva “umbrella clause”.
Proteção em caso de expropriação ou nacionalização
O Acordo prevê que os investimentos de investidores de uma Parte não serão nacionalizados ou expropriados, ou sujeitos a medida com efeito equivalente, exceto para fins de interesse público e contra compensação pronta, adequada e efetiva. A expropriação será, ainda, efetuada numa base não discriminatória e de acordo com os procedimentos legais. A compensação deverá ser calculada por referência ao “valor real de mercado” dos investimentos expropriados.
O Acordo prevê ainda que serão considerados como expropriados os ativos, obrigações ou outras formas de participação que investidores de uma Parte possuam numa sociedade constituída no território da outra Parte. Isto significa, por exemplo, que um investidor angolano que possua uma participação numa sociedade portuguesa em via de expropriação poderá invocar a proteção do Tratado relativamente à referida participação social.
Livre transferência
As Partes obrigam-se a garantir aos investidores da outra Parte, após o cumprimento das obrigações de carácter fiscal, a livre transferência das importâncias relacionadas com os seus investimentos, incluindo lucros, ganhos de capital e dividendos. As transferências deverão ser em moeda livremente convertível.
Esta disposição relevará para os investidores portugueses desejosos de repatriar lucros ou dividendos para Portugal. Poderá ser interpretada como impondo ao Banco Central de Angola uma obrigação de celeridade no processamento de licenciamento das operações cambiais e de fornecimento ao mercado de divisas em quantidade suficiente.
Resolução de litígios entre uma Parte e um investidor da outra Parte
O Acordo permite a resolução dos diferendos entre um investidor de uma das Partes e a outra Parte, relacionados com um investimento do primeiro no território da segunda, mediante um das seguintes opções: (i) os tribunais nacionais competentes, ou (ii) um tribunal arbitral ad hoc, regido ou não pelas Regras de Arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional das Nações Unidas (CNUDCI); ou (iii) por recurso às regras do Mecanismo Adicional para a Administração de Procedimentos pelo Secretariado do Centro Internacional para a Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos (CIRDI).
Se e quando Angola se tornar membro da Convenção para a Resolução de Diferendos entre Estados e Nacionais de outros Estados, celebrada em Washington D. C. em 18 de Março de 1965, o litígio poderá também ser resolvido por um tribunal regido pelas regras do CIRDI.